lundi 30 juin 2008

o teu nome riscado















Leio precipitadamente o teu nome riscado
no meio de palpebras vazias.
O bule de chà estala num feitiço de ervas.

Uma peça unica do enxoval e partilhas.
aceito dar a cara neste mastigar viciado
em teu nome.
Fico tolhida no meio da praia.

Por detràs um espelho, contigo ausente.
o teu nome como um vicio talhado
a gilette azul no meu pulso,
um sumatorio, o às da cicatriz.
Salgo as feridas e abro o olho mortiço.
Leio o teu nome tatuado no céu da boca,
lambo-lhe a vogal.

Vagueio viciada nele, repito-te, comentando-te.

LM, rennes, domingo de pàscoa 08

um adeus perfeito














Como as aves entram pelas janelas


um dia, sem esperar, entraste na minha vida como as aves entram pelas janelas, sem querer. este sem querer ficou entre nos.


uma paisagem desenha no meu rosto as rugas da minha infância.

digo o teu nome so para ficar triste.
repetiçao de cansaços e a morte deitada nos nossos braços.
Esta morte salva-nos.

uma asa desprendida que me acena lentamente,
saudaçao secular.
as tuas maos sao tecto bem-vindos, benzidos.

o exilio faz-se dentro da minha boca ( no comment)
LM
" um adeus perfeito",
ediçoes ulmeiro 1994

dimanche 29 juin 2008

Para o Luis , guardador do Tejo...


Desemprego 2

A noite desenrola o linho sobre o corpo,

um lugar vazio pesa ao seu lado.

So ela o sabia procurar na noite.
Mal empregado desapego
.

Março 2008


Desemprego 3

Amilcar sai da fabrica com as maos pesadas.
Para no café da esquina e pede um copo de três.
Enrola o dedo na borda do copo e pensa em nada,

ou antes fosse.
O calor abafa-lhe a angustia.

Nao da pelo insecto caido no vinho,

engole tudo.
Sai rapidamente, sem graça e sem futuro.

O patrao grita :

- Amilcar, pagas amanha !

Parecia que o tinham baptizado para que um dia,

aquele homem o salvasse num fim de tarde !

Fez um gesto amigavel com a mao,

e acalmou o passo.

O corpo entrou-lhe nas pernas.

Lidia martinez
Março 2008

samedi 28 juin 2008

99 caras, um conto por dia, este é para o miguel







99 Caras

Um homem tinha cem mulheres.
99 delas desaparecerem.
Passado dois dias ele vai à policia.
O jornal local publica as fotografias
das esposas,
completando assim
as duas pàginas do meio.
Hà um tipo que diz:

" Quero casar com esta!"
Sete anos depois o homem morre.
Durante a cremaçao surgem do fogo
as 99 caras a preto e branco.

Abrem grandes as suas boca
s
engolindo a cerimonia, as lages
e alguns ciprestes.

Uma pirâmide de ossos esquecidos

picados de flores de plàstico,
se amontoaram ao sol, esquecidos.

Ninguém reclamou o acontecido.

LM, Lisboa 2007.

vendredi 27 juin 2008

Prina, um conto pra a ângela






PRINA

Pedintes e crentes chegaram

convulsos ao cimo do O.

A estatua de cera de Nossa Senhora,

se consumia tal qual uma vela,
se o povo pecasse mais que razao.

As mulheres entoavam um cântigo agudo.

Na sacristia preparava-se uma bebida santa,

agua com mirra para os mais necessitados.

Das colunas escorriam estreitas
algumas guirlandas.

Um ar morno corria pela capelinha.

De repente a santa surgiu como ovo ao sol.

Prina ajoelhou-se e pediu um golo de agua benta
e olhando a virgem,notou-lhe que uma làgrima

lhe atrapalhava o beiço.

LM,déc. 2007




Para os amigos mais um conto...O triste tigre

O triste tigre

O tigre adormeceu no fundo da jaula.
Quando acordou viu que estava sozinho.
Piscou os olhos esguios e apontou com o focinho,
um cheiro novo.
A porta estava aberta e tudo parecia calmo.
Deu três votas inteiras à jaula,
como fazia na pista iluminada.
Ouviu vibrar um chicotena noite,
na raiva, abriu-se-lhe uma cicatriz inutil.
Mas nada aconteceu,
deitou-se e esperou que viessem.
Bebeu a agua morna e suja,
comeu insectos e roedores.
Emagrecido, secou.
Foi morrer junto à porta,
triste e de focinho virado a norte.

LM,07

Le Triste Tigre

Le tigre s’endort au fond de la cage.
Au petit matin il se réveille, seul.
Ses yeux clignotent à la lumière,
Le museau pointant une odeur nouvelle.
La porte entrouverte le surprend,
néanmoins tout reste calme.
Il fait trois tours lents et posés,
comme s’il marchait sur la piste du cirque.
Il écoute vibrer le fouet et la rage lui ouvre
une cicatrice inutile.
Personne ne vient, il se couche et attend.
Il boit l’eau tiède et sale,
mange les insectes et les souris.
Maigre, sec, le tigre meurt triste,
au fond de la cage,
le museau viré à nord.


jeudi 26 juin 2008

2 contos...






O Avé-Maria

Na parte oriental da cidade
havia um campo seco
onde se ouviam gafalhotos saltar
entre os ramos, estalando as patas
em mimetimos loucos.
O Avé-Maria chegou aquele deterro,
de botas pesadas e cajado ao ombro.
Arrancou ervas e ramos,
decasalando arbustros
e numa vadiagem de canas,
foi encontrar um paraiso de azedas.
Sentou_se com o Três-pernas, rafeiro de qualidade,
pelo ruivo, olho esquerdo vazio.
Ali ficaram até ao sol baixar.
O Avé-Maria lembrou-se da prisao
e como se lhe tinham secado as lagrimas.
A sua tatuagem abriu-se entao
como um livro antigo.

LM.

( Paço d’Arcos , déc. 2007)


FIAT 500
Um homem tinha um carro de estimaçao.

Chamava-lhe" mustang cor de sangue".
Todos os dias ele descia à rua
e dava-lhe uma patine
com o vernis
" Blood-red color".

A sua pequena joia, ou sonho encarnado...

era um Fiat 5OO jà sem rodas.

O homem envelheceu, o carro enferrujou,
mas ele là ia dando,
quando podia,
uma camada naquela unha de sangue.
Um dia o homem finou.
O sobrinho, um artista conceptual,
herdou do objecto de culto.

O ano seguinte, numa importante Bienal,
expôs o carro com o titulo:

" Mustang blood-red color"
( pintado com o vernis das unhas n° 54).
Ganhou o prémio Marcel Duchamp em Paris,
em 2006.

LM, dezembro 2007.


lundi 23 juin 2008

Este é o pais






Este é o pais

A lingua em que as historias nao se deixam contar.

Este é o pais.

Metade pertence ao mar, o resto fluctua.

Ha quem lhe meta as maos por dentro e arranque

raizes victoriosas, sedentas.

Ouvem-se gritos e ainda nos conhecemos

algum patriotismo.

Grande orgulho de um crescimento certo

mas algo tardivo, nos faz caminhar corcundas

e assim enfrentamos o inimigo com desculpas

e cerimonias.

E tudo nosso mas partilhamos tudo mais com eles.

Era uma vez um pais meio encaminhado

para o dito cujo futuro, com a cegueira admiravel

de quem voltou as costas ao mar,

e foi por dentro de uma historia a crescer tao rapida,

que nem tempo houve de se lhe aprender o caminho.

Fluctuamos.

Mais uma vez recomeçamos a contar acumulando

tentativas e nao conseguimos encontrar

o fio do quotidiano falar.

Por aqui ou por ali, hesitaçao e quem nos dera

encomendar a Deus a desconstruçao imediata

do saltitante embroglio que nos enrola a dita cuja.

Quem me dera a mim ter nascido

numa verdadeira ilha e nao ter historia nenhuma

para contar.

So feliz de conhecer o circulo que une os primeiros

passos aos demais e me faz esquecer

as palavras raivosas como patria, mae pobre ou açaime.

Nada mais do que viajar em inuteis circulos

por dentro dos rastros da ultima caminhada.

Ter nome de buzio e mar em tudo o que é perto e longe.

A lingua quebrada de tanto provar o sal.

Nao escrever nunca porque se conta com a pele ao sol

o desenrolar de um dia e depois o cansaço é ja leito

e escuridao segura.

Amanhecer.

Este é o pais.

Alba e esperançosa manha de todos os dias

a namorar o passado indigesto.

Gente boa, diz-se.

Era uma vez e por um por um acenamos a palavra

com dificuldade e numa esquizofrenia traduzida

e ja aclamada como um bem, reconhecemos

que afinal cuspir para o ar ainda se aclama

se a pontaria nao falhar.

Nevoeiro e teatrices ja deram o que tinham a dar.

Com isto nao contei historia nenhuma.

Se calhar esta jangada ja se arrancou definitivamente

à europa e ninguém deu por isso.

Francamente nao sei se me vou sentir a falta.

Era uma vez…

LM, 2004

samedi 21 juin 2008

um adeus perfeito




















é bem timido e dolente este meu canto
que de tanto calar o que sente
jà nao sabe mais dizer
que dois mais hoje no meu peito
porque ausente
e respirar é dor que te move
tao lentamente
como se aqui estivesses adormecido
no meu peito para sempre.
A viagem nao finda neste caminhar,
nesta canseira de te querer guardar,
te proteger e tudo
quanto é pranto e gozar contigo
dos infimos prazeres que ainda alcanço,
é esperança minha e segredo também.
Perto dos meus làbios dançam
os teus dedos, falenas estonteadas
dos beijos que te dei,
pequenas luzes nesta noite onde me visitas,
e a tua sombra desaparece-me entre os braços,
e nada doi, porque o silêlncio é vestido de mulher,
que nada espera porque te tem.

Um adeus perfeito ( segundo livro)
lisboa 1999 ediçoes Ulmeiro

mercredi 18 juin 2008

nada concorda









A mulher està queda dobrada em dois.
Os braços escorrem longos para o chao.
A saia cai num bico arredondado,
escondendo-lhe os pés.

As pernas nao encaixam no conjunto.

Nada concorda.
Ela continua absorta numa magica leitura do mundo.
O grupo agita-se à sua volta numa
« apesanteur «
desajustada, vai daqui ali, fora do corpo.

Perder-se nessa confusa neblina de gestos.

Era antiga e rebelde aos adultos, as suas ordens.
Ia a recuar, num riso rapido e ultrapassava-os.
Deixava o pântano sugar-lhe a força.
Nesse desconhecido e na lama incomoda
ela resolve a sua perdiçao.

LM.

lundi 16 juin 2008

um cheiro a breu antes de anoitecer













De coraçao aberto

Por vezes tudo se esclarece

o corpo ausenta-se,

de maos juntas sinto passar

a palavra redonda que revela

e aquece.

Amiude, engano-me.

Distraida ausento-me lentamente.

Mordido na sua essência,

o coraçao aberto desliza fora do meu peito.

Quebro-me.

Refugio amargo acolhe

o meu sangue.

Devolvo a ferida ao carrasco,

de coraçao aberto.

No altar, face ao icone

a imagem impressiona o tempo

que a consome.

O meu coraçao é o que nao sou eu,

fala pela minha boca,

contém desejos,

nao tem queixumes.

Mergulho a mao na noite,

encontro a vertigem que precede o sono.

Escorrego com a aprobaçao de todos.

Nao me pertenço.

Todos me rodeiam.

Tudo vai acontecer longe daqui.

Nao sei onde me levam e vou.

Todos os apelos sao falsos.

dimanche 15 juin 2008

la main opposée au temps
















La main opposée au temps

La main opposée au temps
reste soumise.

Elle s’occupe du souvenir,
ne rompt aucun silence.

Les mots dressent notre table.
En étrangers nous y sommes installés.
On se passe de pain.

Je mange à côté des mots,
Acides mélanges aftent ma langue.

Pour revenir, je pique l’ongle
sur le dos de la main.

Mes yeux fixent la dentelle coquille d’œuf,
une sorte de lin familiale gardien du souvenir.

Un grain de raisin éclate entre mes lèvres,
Le jus tache ma poitrine.
Ton regard ne suit plus la morsure.

La violence maladroite s’évanouit,
aussitôt la séparation réparée.

Une secrète alliance entre nous,
s’obstine à garder dans le corps,
la mémoire vivante de notre peau.

On se vide dans les nuits complète,
on barbouille nos bouches avec des mots de dos.
Je plie mon poignet, le bras reste coincé

En dessous mes jambes se déracinent,
Je fais de l’espace à l’absence.

Ensemble on écoutera une très belle chanson,
Sans trop bouger.

Je pousse le corps jusqu’à t’atteindre.
Tu m’écoutes ?

LM, 28 mai 2008

vendredi 13 juin 2008












Le silence sera mon espace d’accueil

Sur ta poitrine s’imprime le relief

l’écorce d’un grand arbre.

Mon poing frappe droit dessus.

La sève coule, elle est mon sang

Aussi.

Tes yeux roulent dans les miens.

Nous sommes si bleus et complices,

Le silence dort, je veille sur toi.

On peut dire la beauté en gardant le silence.

Aujourd’hui nous vivons une mort automnale.

Ta chaleur entoure mon dos, tu creuses.

Mon souffle attends l’ordre et la caresse.

Et tu trembles comme un oiseau

Sous le gel du matin.

silence je défais ma tresse






Silence je défais ma tresse

Je marche sur une mer qui gèle ma demeure,
la brasse est lente, l’effort généreux bien que fragile.
Une fois encore et avant la noyade,
j’aimerais embrasser la bouche du bourreau.
entre nous pas de combat.
La joie se purifie.
la corde est usée, je me balance, le lien est le signe ultime
de la souffrance.
Combustion.
Un jour pour de vrai la corde brûlera, toute.
Debout, les jambes croisées, je reste, je ne tombe point,
je me suis consumée.
En bas c’est le puits, je ne tombe plus, je monte, j’avance,
un cheval me croise, aveugles mes yeux sont partout,
mon corps est un abîme de lumière douce.
Je traverse, j’écoute, on me berce,
mon bonheur enfin est éternel.
Je suis morte une fois, au moins, au moins.
Ma peine est proche de l’éclat de rire, ils se valent.
Je te regarde dormir, que la beauté est douloureuse
et la peine, si douce.
Ma langue s’est roulée autour de ton sexe,
comme une bague ou un serpent.
Le vertige m’a gonflé de plaisir,
je voulais expérimenter cette mort,
avoir ses yeux.
Je quitte le jardin parfumé,
je saute à pieds joints dans le sable.
Les astres se sont tus, le mot qui clôt l’histoire
est toujours le plus beau.
Le mot qui clôt l’histoire est toujours le plus beau.
Le silence un jour aura aussi sa résonance.

jeudi 12 juin 2008

A pedra de leite







A pedra de leite

Acordo e reconheço logo a imagem.

Na rua da escrita passam impares,
O desejo e a desejada.

O rei escolhe-nos.
O rei acolhe os amantes
deitados no azul da agua.

A pedra de leite aquece-lhes a cama,
um livro de areia desfolha-se num po
rouge-venise.

Coraçao por ti mordido é suspeito.

O corpo da ruina imprime murais,
as nossas sombras viajam na luz.

Sinto um frio intenso neste casar.
Enrola-te nos meus pulsos,
amo este amor, desejo-te
com os teus sustos.

Mon papillon m’abandonne.

Lidia , Paris12 de junho de 2008

o cheiro a breu antes da noite arrefecer










(...)« O homem caminha e faz parte do universo

mas ele nao é o universo ».

Ter lembranças em comum,

pôr ar entre as coisas.

Caldos de melancolia.

O poema é um devir,

algo subversivo.

A noite cai sobre o meu rosto,

obliqua.

Escutem-me por favor

quando eu falo no meu quarto.

Uma mulher bordada por fora.

lidia, paço d'arcos, 2007

mercredi 11 juin 2008

méramorphosez...

















Osez...

OSEZ LE HAIKU AMOUREUX

OSEZ LE PAYSAGE DES SIGNES
OSEZ LA BRÛLURE DE LA PASSION
OSEZ DRESSER LA TABLE DES SYMBOLES
OSEZ LE SILENCE ROUGE D’UNE DORMITION
OSEZ LE FROID REFUGE D’UNE MORT SANS PARTAGE
OSEZ LES LABORIEUX PLIES
OSEZ LE POP-ART
OSEZ LE MOUVEMENT OPTIQUE DU VIRTUEL
OSEZ L’IMMOBILITE DU CHANGEMENT
OSEZ CHASSER LE NATUREL
OSEZ L’ELAN ET L’EXTASE
OSEZ LA PAIX
OSEZ LA BERCEUSE ET LE THRENE
OSEZ LE REPOS DE LA TERRE
OSEZ LA ROSE D’AUTOMNE
OSEZ L’USURE DU FUSAIN NOIR SUR UN VELIN GRAINEUX
OSEZ LA TRANQUILITE DES ARBRES
OSEZ LA SOUFFRANCE COUTUMIERE DES FIEVRES CHRONIQUES
OSEZ LES TRISTES MORSURES DE LA LUMIERE
OSEZ GLISSER DANS LA GAINE DU SILENCE
OSEZ LE HASARD SANS LIMITE DE LA DATE DE PEREMPTION
OSEZ LES HEURES CHAUDES D’UNE PARESSE LARGE
OSEZ ENLACER LES PRIERES DES EPAULES QUI FREMISSENT
OSEZ LES RÊVEURS HABILLES DE SI DE LA
OSEZ LES APPAREMENTS MÛRS
OSEZ USEZ LES CHAUSSURES AUX CORS
OSEZ LÂCHER LES COSTUMES DEFRAICHIS SUR LEURS CEINTRES
OSEZ L’APRES-DEMAIN FAUVE
OSEZ CHEVAUCHER DES INSOMNIES BLANCHES

mardi 10 juin 2008

dimanche 8 juin 2008

Textos em avulso









Crime passional

Numa densidade obliqua de braços,

num continuum rotativo de baile

com orquestra,

dobro na dobra

dobro no canto

sobro no dobrar

dobro segundo o vinco

Risco com a unha

unha que dobra

a dobrar, riscando

A vincular o vioncelar

do violino e a desafiar-me o final.

Entre o concerto e o salao

entoa-se a derradeira sonata com chuva

apagando as notas.

Musica para tempestade e entrega de prémios :

Andante comodo

Allegro furioso

Rondo galante

Propriedade privada

Concerto pra uma mulher

em plena corrente de ar.

( asma com muita afliçao)

Três suspiros e espirros com notas altas.

Hipertensao musival genética.

Pacé, junho de 2008.

vendredi 6 juin 2008






Contos

A samarra do tio

Este bem soa a demais.
habituado a ficar em conta,
minguando a lingua,
Galante entrou na carvoaria
e rezou para que tudo
fosse verdade.
Vestia a samarra do tio,
um presente em segunda-mao.

Era de poucas falas e nada
ou pouco desejava.
Sentiu subir o calor da tontura
consumir-lhe a carne.
Se ela viesse agora, de voz cristalina,
romper este escuro, o preto sujo nas mangas,
no colarinho, nas unhas…
E correu feito louco, lavar-se no rio.
Esfregou-se até ficar bem limpo.
Enxugou ao sol como roupa lavada
e sonhou que amava Cruz.
Esperou em vao pela noite fora
que ela viesse provar-lhe um beijo.
Ficou impar neste amar,
mas deu a volta por cima.
Desfez-se do casaco do tio,
da sua samarra.
Nunca mais olhou para a janela
do r/c onde aparecia Cruz,
sorrindo de boca aberta
e seio em alvo branco.
Mas mesmo depois de velho,
Galante guardou o peito quebrado

quando lhe passava à porta.
Cruz tinha-se vendido ao tio,
que num ataque de ciumes
a tinha jogado como um trapo,
na fogueira de carvao,
enrolada na tal samarra.
Tragédia consumida.
Lembrou-se entao de ter cozido
por dentro das algibeiras,
alguns recados amàveis e palavras
de amor e desejo.
Quando lhe falavam no drama,
Galante mordia o beiço
e escondia as unhas pretas,
mais dorido que traido.
A vergonha nao se descoze tao depressa,
pensou.
Cruzou a perna sentado ao relento
à espera da noite,
na pedra do chafariz de baixo.

Lidia martinez

Pacé, 1 de junho 2008

Contos(posté en mars 08)









Raizha

No pior dos frios Raizha soletrou palavras
desconhecidas e foi perdendo os dentes
como perolas de um colar desfeito.
Um peixe amargo chegou na maré,
tarde demais para escalar ou salgar o conduto.

O vento desmanchou-lhe o corpo.

Viu depois a fome saltar como coelhos gigantes
perseguidos por lanças certeiras.
Caiu de borco à beira-mar com o sol deitado na agua.
Ouvi os afogados cantarem so com os lhos.
Estranhos anoes de pedra romperam
longiquos comos farois.
A maré lambeu Raizha até nao sobrar nada.
O rastro de uma anel teimoso num dedo inchado,
deu à costa para là do pontao.

LM, mars 2008


jeudi 5 juin 2008

Contos







DESEMPREGO

Violeta prepara-se para sair de casa.
Veste saia e casaco, como dantes.
Empurra o portao entalando um pé na dobra de ferro,
e numa pressao nervosa, deixa balançar o corpo.
Entra no jardim e deixa-se cair na relva.
Violeta tem as maos pequenas, os dedos redondos
unhas rentes para melhor bater no teclado.
Abre os olhos para o céu até doerem.
Bebe no repuxo o esguicho de aguia fria.
Lembra-se em menina a sede a roer-lhe a alma
e os dentes a estalarem!
Senta-se no banco e estremeçe.
Tem medo e começa por experimentar a fome,
para ver.
Quem sabe?

Paris, 6 de março de 2008

Contos pequenos, tema Os Vicios, post jà publicado














BRIQUITA


Briquita deixava-se estar à janela horas a fio.

Anca vencida à esquerda, pé descalço e unha acerada

a riscar a barriga da perna, devagarinho.

O corpo adormecia desapegado no encombro do parapeito.

Nao sabia contar o tempo que ali passava.

A tristeza era infinita e sereno o prazer que nao escondia.

Trazia na face a mascara do vicio e da queda.

O resultado fora imediato…o marido dera o fora,

era um mà–rolha, ela descaira.

Deixou-a com a bufarra a margiar-lhe o sexo

e com muitas petas a tinha mantido presa.

Depois de muito seresmar, Briquita decidira mostrar

o retrato que lhe ia na alma.

Absorta no seu cismar, nem dava conta do pecado

duma tal melancolia.

Secou ao sol e ao vento, com o olho aveludado

e o desassosego a pintar-lhe o retrato.

*briquitar- lidar, marejar, cismar

LM, 16 de março de 2008


" vagueio viciada"

Leio precipitadamente o teu nome
riscado no meio de umas palpebras vazias.
O bule de cha estala num feitiço de ervas.
Uma peça unica do enxoval e partilhas.
Aceito dar a cara neste mastigar viciado
em teu nome.
Fico tolhida no meio da minha praia.
Por detras, um espelho contigo ausente.
O teu nome como vicio talhado
a gillete azul no meu pulso.
Um somatorio, o as da cicatriz.
Salgo as feridas e abro o olho mortiço.
Leio o teu nome tatuado no céu da boca,
lambo-lhe a vogal.

Vagueio viciada nele.

LM. Março 08


mercredi 4 juin 2008






Textos em avulso

O grito

Num desconforto voraz de cristalinas dores,

ais e males espantados,

sinto-me pronta a abanar as maos à janela,

como trapos.
Deixo cair o corpo para fora do parapeito,

a cabeça pesada leva o resto.

Ainda ouvi de raspao soar um grito

mas jà nao era o meu.

O peito queimou a seda,

vinha a arder.

A calçada cresceu em labirintos

desalinhados, perto do meu olho pintado.

Ao sacudir a colcha ao sol,

alguém observou tremendo,

o bailar assimétrico

de umas pernas largadas no chao.

Pacé, 1.06.08
LM